O preconceito contra a homossexualidade permanece. E como  preconceito se combate com a educação, não há como a escola se  esquivar-se mais
A escola, tradicionalmente, sempre deu as costas à sexualidade. Nas  aulas de Biologia, o conteúdo sobre a anatomia e o funcionamento do  aparelho reprodutor era e ainda é oferecido aos alunos de modo  mecanicista e absolutamente desvinculado da sexualidade e de seu  contexto sociocultural.
Acontece que, nessa mesma escola, há alunos, há professores, há um  grande contingente de pessoas que trabalham nas mais diferentes áreas,  que se relacionam e que passam várias horas do dia lá e, portanto, a  sexualidade se faz presente, quer a escola queira, quer não. Ela faz  barulho, ela se faz visível, ela incomoda e, mesmo assim, muitas escolas  preferiam fazer silêncio a respeito. Mas nunca conseguiu.
Toda escola tem princípios ou regras – estas em número muito maior –  que, de modo direto ou indireto, envolvem a sexualidade. O tipo de roupa  que a escola aceita ou veta, as permissões ou as proibições a respeito  do relacionamento físico entre alunos e seus pares, alunos e professores  e professores e seus pares, por exemplo, retratam uma concepção de  sexualidade que a escola aceita, tolera ou repudia. Isso significa,  portanto, que, no chamado currículo oculto escolar, a sexualidade está  presente inclusive na forma educativa – ou melhor, deseducativa.
Entretanto, a partir de 1998, com a publicação dos Parâmetros  Curriculares Nacionais (PCNs), que colocam a sexualidade como um tema  transversal, esta passou a fazer parte do conhecimento que,  necessariamente, a escola precisa reconhecer e trabalhar.
Sabemos, porém, que na prática pouca coisa mudou desde então, de modo  geral. Mais do que esse documento oficial, foi e é principalmente o  corpo discente o maior responsável pela invasão da escola pela  sexualidade.
Crianças e jovens, hiperexcitados por uma sociedade que quase tudo  erotiza, trazem para dentro da escola músicas cujas letras e  coreografias tratam o sexo de modo grosseiro, um vestuário sedutor e,  principalmente, um linguajar e um comportamento que remetem diretamente à  sexualidade.
Paralelamente, o mundo foi se transformando para aceitar a  diversidade em todos os setores, inclusive na sexualidade, e, desse  modo, a homossexualidade deixou de ser considerada um comportamento  desviante e passou inicialmente a ser tolerada e progressivamente a ser  aceita, não sem relutância ou resistências, é bom ressaltar.
E a escola, um pequeno retrato da sociedade, teve de passar a encarar  o tema mesmo sem querer, mesmo sem saber como. É que é no espaço  escolar que os adolescentes vivem boa parte de seu tempo no encontro com  seus pares e é nesse momento da vida que a sexualidade deles explode,  floresce. E claro que, com a maior aceitação social da diversidade  sexual, muitos jovens que descobrem que sua orientação é homoerótica não  se “trancam no armário”.
O preconceito contra a homossexualidade, apesar das mudanças sociais  em curso, permanece. Ele se expressa ora de forma hostil, agressiva e  violenta, ora de modo velado e modificado. E como preconceito se combate  com a educação, não há como a escola se esquivar mais: ela precisa  honrar seu papel social, cultural e de vocação humanista.
Agora, mais do que em qualquer outro tempo, a escola precisa levar a  sério a sexualidade como tema transversal. Isso significa reconhecer que  o assunto faz e deve fazer parte de seu currículo e, sempre pelo viés  do conhecimento sistematizado já construído, deve ser planejado e  contemplado com todo o alunado.
E não se trata de reproduzir, como tem sido feito com raras exceções,  ideias cristalizadas, estereotipadas e preconceituosas a respeito do  tema em geral e, especificamente, da homossexualidade. Trata-se, sim, de  abordar o assunto com a propriedade de quem tem como função transmitir o  conhecimento.
Para isso é preciso, em primeiro lugar, que a equipe escolar discuta o  assunto abertamente e em conjunto. Sim, porque essa é a única maneira  de assegurar aos alunos um trabalho coerente e crítico, assim como a  construção dos princípios que nortearão o projeto político pedagógico de  cada unidade escolar especificamente em relação à sexualidade e à  educação sexual que quer colocar em curso.
Em segundo lugar, é preciso que cada escola providencie a formação  necessária dos professores, orientadores, coordenadores e demais  funcionários em relação ao tema. É bom lembrar que não bastam boas  intenções para esse trabalho: é preciso estudo, consciência crítica e  preparo para saber deixar de lado as posições pessoais, que todo mundo  tem o direito a ter, no momento da ação educativa no espaço escolar.
Em terceiro lugar, a escola precisa constantemente lembrar que seu  trabalho é com os alunos e não com os pais deles. São os mais novos que  precisam de ajuda para crescer, se desenvolver e amadurecer e, desse  modo, conseguir fazer escolhas próprias, com autonomia, mesmo que isso  signifique ser diferente do que sua família quer e/ou espera. A escola  tem feito muita confusão nesse sentido, já que tem escolhido tratar de  questões delicadas dos alunos com os pais deles e não com os próprios.
Apesar da boa intenção dessa atitude, muitas crianças e adolescentes  sofrem sérias consequências quando seus pais têm conhecimento, pela  escola, de alguns comportamentos e atitudes dos filhos. Não são poucas  as famílias que os castigam severamente nessas situações.
A escola pode oferecer alguma colaboração aos pais que, por exemplo,  têm e sabem que têm filhos homossexuais. Trazer pessoas com expertise no  tema, de preferência de fora da escola, para conversar com os pais a  respeito de suas angústias e de seus receios e, principalmente, oferecer  o espaço escolar para que os pais se reúnam e troquem experiências a  respeito da educação familiar têm sido iniciativas de algumas escolas  com bom aproveitamento. Entretanto, a escola assumir o papel de tentar  educar os pais de seus alunos é gasto de tempo e de trabalho equivocado,  já que o foco da escola são os mais novos.
Finalmente, num mundo em que a fronteira entre vida social e  intimidade está desaparecendo, é importante que a escola forneça aos  alunos a possibilidade de saber diferenciar a vida pública da vida  privada, já que essa é uma importante condição do desenvolvimento  saudável da sexualidade.
Fonte: www.cartacapital.com.br 
No ambiente escolar, comportamentos desviantes da norma são frequentemente reprimidos e encarados como problemas. Por consequência, temos que ter um modo singular de olhar que altere a todo momento as estruturas de poder. Assim, o respeito pelo outro deve ser construído em nosso discurso e prática, e, não com o objetivo de sua exclusão. O nosso discurso que exclui, separa e nega, instaura-se num gesto historicamente repetitivo que precisa ser avaliado, questionado e modificando; se é que pensamos evoluir.
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