segunda-feira, 27 de abril de 2015

Olhe aí que história bonita...

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Um menino com saudade, sua mãe doente na cadeia e um juiz que solta

Um menino de 11 anos enviara uma mensagem agradecendo ao juiz João Marcos Buch, da Vara de Execuções Penais de Joinville, por ter permitido que sua mãe deixasse a cadeia e fosse morrer em casa. A moça, de 30 anos, era soropositiva e foi encontrada por Buch algemada a uma cama, embora estivesse com metade do corpo paralisado em virtude da doença.
A reportagem foi reproduzida pelo blog Socialista Morena, 22-04-2015.
A história saiu no Diário Catarinense na semana passada. Em dezembro passado, o menino havia ido, em companhia da avó, até o gabinete do juiz para pedir que ele se apiedasse da situação da mãe. Naquela ocasião, o garoto nada falou. Após passar os últimos três meses de vida da mãe a seu lado, cuidando-a até na hora do sono, a criança enviou uma mensagem no Facebook a Buch, agradecendo em seu nome e do irmão, de 9 anos, pela chance que teve de se despedir.
Fiquei curiosa em saber por que ela tinha sido presa. Em todas as matérias que foram publicadas depois, não se dizia a razão. Pois bem, a moça havia sido condenada a quatro anos de prisão por ter furtado carteiras em duas lojas de São Bento do Sul. Me parece um exagero ser encarcerada durante quatro anos por furto, um crime que não envolve violência contra a pessoa, porque é praticado sem que a vítima perceba. Enredo real que parece saído de Os Miseráveis de Victor Hugo
Num momento em que se fala de diminuição da maioridade penal, é lamentável que a questão prisional, no entanto, continue a ser ignorada e só chame a atenção da mídia quando ocorre uma rebelião nos dantescos presídios brasileiros. Nosso país já é um dos que mais encarceram pessoas no mundo, com 574 mil presos, 44% deles sem sequer terem sido julgados. E o que quer o Congresso? Prender mais gente –agora, adolescentes.
Na contramão deste movimento, João Marcos Buch, o juiz que libertou a mãe do menino para morrer dignamente em casa, está ficando conhecido como “o juiz que solta” e pela defesa que faz do desencarceramento. “Não existe absolutamente uma perspectiva de melhora do sistema, em razão do custo que isso ia demandar. O único caminho é um desencarceramento, mesmo porque a pena não contribui para o objetivo que é a redução da violência”, defende. A propósito: ele é contra a redução da maioridade.
Eis a entrevista.
A moça que o senhor soltou havia sido condenada a quatro anos de prisão por furto. Não é uma pena excessiva?
Sem fazer juízo de valor a respeito, a condenação foi de mais de quatro anos em razão da reincidência. Ela já tinha tido uma condenação anterior por furto. Não posso fazer este juízo de valor, por uma questão ética.
Quando o senhor a encontrou, ela estava em que estado?
Acompanho a execução da pena de todos os detentos – é um complexo penal de mais de 1000 apenados e uma parcela de apenadas que ficam num anexo. Quando existem problemas de saúde, não só acompanho como requisito a intervenção da saúde, cobro prazos, enfim, tento, de uma forma ou de outra, que a lei seja aplicada dentro de uma sociedade prisional.
Eu tinha conhecimento de que ela estava passando por problemas de saúde, que era soropositiva, e isso veio a fazer com que o quadro se agravasse, acabou adquirindo toxoplasmose e teve uma lesão cerebral com paralisia da metade do corpo. Isso estava comunicado no processo. Mas recebo muitas pessoas aqui no meu trabalho, não só egressos do sistema criminal como familiares, advogados, me cabe fazer essa recepção com minha assessoria. Diariamente, muitas pessoas vêm me procurar sobre situações diversas.
E a avó veio com o menino aqui no meu gabinete. Lembro especificamente dessa data porque a partir da intervenção dessa avó (o menino ficou em silêncio), fui naquele mesmo horário ao hospital para avaliar a situação da detenta. No hospital, a médica me passou todo o quadro clínico e os encaminhamentos que foram feitos. Mas, no momento em que pedi para vê-la, fiquei surpreso porque, mesmo com a metade do corpo paralisado, ela estava algemada à cama. Não era razoável isso.
Muito embora entenda que os protocolos de segurança da secretaria do Estado devam ser seguidos, devem se observar situações específicas de cada pessoa. E ela não oferecia absolutamente nenhuma periculosidade, nada justificava a algema. Mais do que isso, nada mais justificava que, se recebesse alta do hospital, voltasse ao presídio. Aquilo não era razoável. Por uma questão humanitária, determinei a retirada das algemas e a prisão domiciliar dela. Uma vez que tivesse alta, iria para casa.
Depois de tudo, o filho dela entrou em contato com o senhor para agradecer e isso virou notícia.
Até ali, sou franco em dizer, o drama das pessoas, neste ambiente, é diário. Eu presencio muitas dificuldades, muitos problemas no sistema prisional brasileiro. A característica desse fato é que esse menino de 11 anos acabou mandando essa mensagem para mim. Uma mensagem que, realmente, sensibiliza.
Ela sobreviveu muito tempo ainda?
Morreu no final de março. Sobreviveu três meses.
Então ela estava em estado terminal e presa?
Sim.
O senhor é a favor da aplicação de penas alternativas?
Absolutamente a favor. Na realidade, eu vejo e já andei pelo País fazendo inspeções em unidades prisionais, e Santa Catarina não é diferente do restante do Brasil. Vejo que o problema do encarceramento é muito grave, não existe absolutamente uma perspectiva de melhora do sistema em razão do custo que isso ia demandar.
O único caminho é um desencarceramento, mesmo porque a pena, depois de tudo que tenho visto e trabalhado – muito embora eu deva aplicar a lei, então aplico a lei, tenho que determinar a prisão de quem deve ser preso, soltar quem deve ser solto–, entendo que a pena não contribui para o objetivo que é a redução da violência.
Além disso, o desencarceramento é o único caminho viável para que possamos começar a pensar numa política pública de sistema prisional, através de medidas alternativas, da prisão apenas naqueles casos em que a pessoa é perigosa para com a vida de outro ser humano.
Tem aquelas tornozeleiras eletrônicas também, não é?
A tornozeleira é mais uma alternativa que pode ser dada, mas realmente tem que haver uma política de Estado, dos governos estaduais, especialmente, porque não depende só da União, o sistema é estadual. Tem que haver uma política de Estado para fazer essa grande mudança de paradigma, porque o encarceramento por si só está violando cada vez mais os direitos humanos, não está sendo racional e não está sendo útil. Só está fazendo com que a violência se reproduza.
Existem muitas pessoas na mesma situação que essa moça?
Existem. Salvo ilhas de exceção, o apenado adoece dentro do sistema, pela falta de saneamento, de higiene, de um auxílio médico, de um vestuário adequado, de uma cama para dormir, da falta de atividade, porque não é oferecido a ele trabalho, estudo. Isso tudo faz com que a pessoa adoeça e fique vulnerável, que acentue eventuais problemas que já tinha ali fora, quando livre, ou que tenha novos problemas ali dentro.
Se o estado não tem condições sequer de tratar as pessoas que estão livres, imagina como vai conseguir tratar essas pessoas lá dentro, com falta de recursos humanos, o número de agentes penitenciários não valorizados, não reconhecidos.
É muito difícil trabalhar nesse sistema. Resulta que pessoas adoecem e acabam falecendo dentro do sistema prisional. Eu procuro, na medida do possível, como juiz, fazer estas inspeções quase que semanais na penitenciária para avaliar pelo menos a questão de saúde, para que com base num laudo médico eu decida se mandarei essa pessoa para casa ou a manterei dentro da unidade prisional.
O senhor está ganhando fama de juiz que solta. É o que está fazendo falta no Brasil, mais juízes que soltam?
Acho que precisava, e aí não vai crítica alguma aos colegas, olhar mais para nossa Constituição, tratar a sério nossa Constituição. Essa não é uma opção nossa, o poder Judiciário é um guardião da Constituição. E se nós começarmos a fazer um filtro constitucional das leis penais, perceberemos que o juiz é o juiz que solta e não o que prende. A prisão, conforme a Constituição, é uma exceção.
O senhor se orgulha de ser um juiz que solta em vez de um juiz que prende?
Sim. Isso não significa que eu já não tenha condenado muitas pessoas. Hoje estou na execução penal e tem situações em que nego a soltura, digo ‘não é o momento adequado ainda, vamos aguardar mais seis meses’, mas tudo com base na lei.
Não é algo sem um fundamento. As pessoas que trabalham comigo, Ministério Público, advogados, eles não têm surpresas a meu respeito, sabem minha linha de pensamento e sabem como provavelmente vou decidir, o que é bem previsível. Na época que fui da Justiça criminal, que processava e julgava, já condenei muitas pessoas, sequestradores a 70, 80 anos de prisão. Nós temos que aplicar a lei. Mas, dentro dessa lei, nós sabemos que a exceção é a prisão, a regra é a liberdade, é tentar de outras formas fazer com que a pessoa crie aquele link com o Estado, aquela responsabilidade, e consiga conviver em comunhão com todos. A prisão não resolve dessa forma.
Em resumo, não vejo problema nenhum, pelo contrário, acho que é até interessante eu ser conhecido como o juiz que solta.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos

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