Xadrez

Devemos entender jogo como uma atividade que obedece ao impulso mais profundo e básico da essência animal, sendo considerado como um comportamento primário na espécie humana (SCHWARTZ, 2004). Esta atividade tem inicio na vida com os mais elementares movimentos (FREUD, 1923), evoluindo até dominar a enorme complexidade do corpo humano.
Segundo Piaget, os primeiros jogos com os quais a criança tem contato são os chamados jogos de exercício. A transição dos jogos de exercícios para os simbólicos marca o inicio de percepção de representações exteriores e a reprodução de um esquema sensório-motor. Pode-se dizer que o jogo simbólico exercita a imaginação.
Ao alcançar o período das operações concretas, a criança torna-se capaz de jogar atendo-se a normas. Surgem, então, os jogos de regras, para os quais ela terá que abandonar a arbitrariedade que governava seus jogos, adaptando-se a um código comum, podendo ser criado por iniciativa própria ou por outras, mas que deverá acatar limites, porque a violação das regras traz consigo uma conseqüência, muitas vezes negativa.
Isto ajudará a criança a aceitar o ponto de vista das demais, a limitar sua própria liberdade em favor dos outros, a ceder, a discutir e a compreender, este aspecto é necessário ao ser humano. Quando se praticam jogos de grupo, a experiência se engrandece, já que a solidariedade é agregada à vida da criança, surgindo, assim, os primeiros sentimentos morais e a consciência de grupo.
A partir disto torna-se essencial notar o valor educativo inegável que a prática lúdica possui. Segundo Cousinet (1945), se os jogo, as brincadeiras são as atividades naturais da criança, então a atividade educativa é favorecida se tem fundamento nessas atividades.
Falando especificamente do jogo de xadrez, este pode ensinar as crianças o mais importante na solução de um problema: saber olhar e entender a realidade que se apresenta.
Segundo Goethe (1786), "O xadrez é a ginástica da inteligência".
Segundo Melão Júnior (1998), "O xadrez não passa de um punhado de tocos de pau, dispostos sobre uma tábua quadriculada, situada entre duas criaturas incompreensivelmente absortas, que, dominadas por uma espécie de autismo, desperdiçam inutilmente seu tempo, olhando para este brinquedo sem graça, enquanto o mundo ao seu redor pode desmoronar sem que se apercebam disso. Esta é a interpretação do homem vulgar, insensível e apático; incapaz de enxergar as essências, homem que se conforma com uma visão superficial das coisas e se deixa seduzir pelas aparências de outras atividades menos belas e eloqüentes. Para o homem mediano, o xadrez é um mero acessório, útil tão somente porque contribui para desenvolver diferentes faculdades mentais, melhorando o desempenho escolar nas crianças, intensificando a acuidade mental nos adultos e preservando por mais tempo a agilidade mental nos idosos. Porém, para o homem espirituoso, criativo e empreendedor, o xadrez é uma das mais ricas fontes de prazer, um meio no qual se encontram elementos para representar as mais admiráveis concepções artísticas, um campo pelo qual a imaginação pode voar livremente, produzindo, com encantadora beleza, idéias deliciosamente sutis e originais. O xadrez é uma das raras e preciosas atividades em que o homem pode explorar ao fundo suas emoções, atingindo estados de prazer tão sublimes, tão ternos, tão intensos, que só podem ser igualados pelas sensações proporcionadas pelo amor e pela música”.
O jogo de xadrez possui características importantes, as quais podem desenvolver habilidades em diversos níveis. Sobre o aspecto do raciocínio lógico, no jogo de xadrez, a criança passa a ter contato com diversos exercícios que lhe são propostos, nos quais ela deve buscar a melhor combinação dos lances a serem realizados, tendo a sua frente inúmeras possibilidades. Isto resultará em um ganho, podendo ser material (peças) ou posicional (deixando com uma posição que reverterá para a vitória).
Borin (1996) afirma que os jogos auxiliam também na descentralização, que consiste em desenvolver a capacidade de ver algo a partir de um ponto de vista que difere do seu, bem como potencializa a linguagem, a criatividade e raciocínio dedutivo, exigidos na escolha de uma jogada e na argumentação necessária durante a troca de informações. Grau (1973) ressalta que numa partida de xadrez são exercitadas duas visões de grande importância para o desenvolvimento da capacidade de abstração: a visão imediata e a visão mediata.
Quando a criança está jogando, ela deve sempre verificar qual o melhor lance a ser realizado naquela posição, este número de lances cresce de acordo com as jogadas, a criança passa, após certo tempo de prática, a descartar algumas possibilidades já estudas e, com isso, agiliza sua análise contemplando apenas as possibilidades mais viáveis. Isto reforça a habilidade de observação, de reflexão, de análise e de síntese.
Durante a partida de xadrez, o enxadrista depara-se com mais de um caminho a seguir, deve estar sempre pronto a verificar o lance a ser feito e saber que aquela decisão pode mudar totalmente o destino daquela partida. Neste sentido, a criança desenvolve habilidades e hábitos necessários à tomada de decisões.
Não basta, no entanto, o aluno saber solucionar o problema ou o exercício proposto, analisando apenas uma parte do tabuleiro. É de extrema importância que ele seja capaz de ver o tabuleiro como um todo, sabendo que as peças não devem ser vistas isoladamente, mas sim, que as mesmas fazem parte de um contexto geral, em que uma depende da outra para se atingir o então almejado xeque-mate. Esta característica evidencia um aprimoramento da compreensão e na solução de problemas pela análise do contexto geral.
Ao enxadrista cabe tomar as decisões e arcar com os resultados obtidos; se isso é importante para a vida, mais ainda se torna se considerarmos que, quando bons hábitos são desenvolvidos desde a infância, é provável que estes sejam assimilados mais facilmente e mantidos para o resto da vida do indivíduo.
Quando a criança está jogando uma partida de xadrez, é necessário que utilize muito raciocínio, para que possa colocar em prática o seu plano estratégico, o qual deve ser escolhido após uma longa análise da posição e verificação da eficácia, por isso, há necessidade de muita concentração e atenção. Isso contribui para que a criança adquira facilidade em raciocínio lógico, o que é contemplado com freqüência em questões matemáticas.
É importante ressaltar que os jogadores necessitam de muita concentração durante as partidas, pois é um momento de reflexão posicional, na qual uma pequena falha pode levá-lo à perda de sua partida. Pode-se relacionar este fato ao sucesso ou insucesso referentes à resolução de problemas matemáticos, uma vez que, com certa freqüência, o indivíduo encontra-se em situações que precisam ser resolvidas da melhor maneira, em determinado tempo e local, nem sempre favoráveis ao aspecto de concentração, para que, mais tarde, resulte em boas conseqüências. Este aspecto pode ser treinado por meio das estratégias do jogo do xadrez, tendo em vista algumas semelhanças destas situações com aquelas vivenciadas na escola.
Outro ponto interessante na prática do xadrez é o fato dos enxadristas precisarem anotar as partidas realizadas, para que seja feita, ao término da partida, uma análise dos lances executados. A anotação algébrica parte do pressuposto que todas as casas do tabuleiro sejam nomeadas com letras e números, podendo ser comparado ao plano cartesiano, no qual as crianças devem localizar, nas retas, as coordenadas e marcar os pontos.
Sá (1988) diz que a estratégia do ensino é muito próxima da do jogo de xadrez, pois nele a dialética e a autocrítica ocupam um lugar primordial e onde o vencido se enriquece mais que o vencedor. Assim, podemos dizer que, do ponto de vista moral, o jogo de xadrez pode promover a conduta ética através da experiência do ganhar e do perder.
Além de trabalhar a memória, o jogo de xadrez requer do enxadrista muita atenção, pois há necessidade de ver um plano abstrato, imaginando-se as jogadas a serem realizadas, sem que as peças sejam tocadas, com isso, a criança começa a adquirir o hábito de pensar sempre antes de estar realizando qualquer ação, em um processo de antecipação. Isto ocorre, não apenas no momento em que se está jogando, mas passa a refletir nos diversos aspectos do cotidiano, especialmente no que concerne às tarefas matemáticas.
O xadrez contribui muito ao mostrar que deve ser feita, inicialmente, na resolução de um problema matemático, uma longa análise da situação, organizando-se os dados retirados do enunciado e, até mesmo, aqueles correspondentes às respostas. Geralmente, as crianças não sabem utilizar a capacidade de análise, por não terem sido treinadas para isto, uma vez que, apenas, aprendem fórmulas de memorização. Quando se defrontam com textos diferentes, ficam inseguras e não conseguem encontrar facilmente a resposta correta.
É preciso conseguir que as crianças encontrem seu próprio sistema de ação e, para isso, deve-se evitar as soluções mecanizadas, implementando as possibilidades de análise das situações.
Com relação à análise combinatória e ao cálculo de probabilidades, o xadrez muito pode contribuir, pois, no decorrer da partida, o jogador deve ser capaz de calcular com exatidão a manobra que realizará com suas peças, para que depois possa escolher qual o caminho mais rápido e eficaz a ser seguido, para obter maior sucesso. Faz-se necessário observar também as prováveis jogadas do adversário, procurando sempre o melhor lance que poderia ser realizado, antecipando a própria jogada do adversário, pois, assim, a criança não será surpreendida.
O jogador deve ser capaz de disciplinar ou aprender a controlar suas emoções, pois se estiver abalado ou sem autocontrole está sujeito a interferir no jogo de maneira que seu potencial fique muito abaixo de sua força real. O aluno, durante a partida, precisa poder resistir à tensão da pressão do tempo, que provoca inúmeras inquietações e, quando o resultado é um erro que o leva à derrota numa partida que estava quase ganha, este deve aceitar a situação.
Nas situações da matemática, este autocontrole emocional também precisa ocorrer e é, muitas vezes decisivo, para que o aluno encontre lucidez para discernir sobre a melhor resposta e o melhor encaminhamento do problema, com possibilidade, inclusive de falhar, ainda que soubesse o resultado ou o modo de resolvê-lo.
Estudos mostram (CRISTOFOLETTI, 1999) que crianças que jogam xadrez são mais atentas e têm maior agilidade em resolver contas matemáticas. São mais concentradas em uma atividade e têm uma excelente capacidade de observação, análise e poder de síntese.
Vygotsky (1933) afirma que através da aprendizagem do xadrez a criança estaria elaborando habilidades e conhecimentos socialmente disponíveis, podendo contribuir com a auto-estima.
Tudo isso nos permite afirmar que o jogo de xadrez pode possibilitar a quem joga um bom desenvolvimento cognitivo, social, moral e afetivo.
O jogo de xadrez tem sido muito utilizado em estudos sobre os processos de cognição humana, desde os clássicos estudos de Binet (1893/4),que deram subsídios à elaboração dos conhecidos testes de QI no início do século XX, até as teorias mais modernas sobre a memória, no campo da psicologia cognitiva, da aprendizagem e dos processos neurocognitivos.
O jogo de xadrez é um bom instrumento para trabalhar as capacidades relacionadas ao pensamento crítico, como auxiliar ao “aprender a pensar” que é mais importante do que aprender soluções de problemas específicos.
Para muitas crianças e jovens, o xadrez apresenta um potencial de automotivação bastante grande o que, nestes casos, favorece a utilização de processos mentais de alta abstração, que são próprios da prática desse jogo.
No xadrez, o jogador deve estabelecer um plano estratégico e operações táticas ao longo da mesma. Isto requer do mesmo não apenas a verificação de conhecimento anterior (recuperação de informações da memória) como a realização de uma verificação sistemática de possíveis combinações de lances, com o julgamento contínuo de cada situação resultante, em termos dos vários elementos do jogo (material e posicional). Deve, então tomar decisões, escolhendo alternativas que levem ao sucesso, de acordo com as regras do jogo.
Por ser um jogo que não requer pré-requisitos (características físicas, sociais, etc) permite trabalhar a auto-estima da criança /jovem e também favorece na socialização. Porém, como em todo jogo, devem ser evitados excessos competitivos.
Assim temos que, ao ensinar xadrez, temos a oportunidade de repassar valores éticos e potencializar habilidades, já que o jogo é um ótimo recurso para desenvolver habilidades mentais, "inculcar" valores e desenvolver habilidades: a atenção, a imaginação, a projeção, a recordação, o pensamento obtido, a percepção de mundo, o planejamento, o rigor mental, a análise sistemática e a matemática.
Assim, no jogo de xadrez a criança vai mais que aprender, ela vai apreender habilidades mentais, como tomar decisões no momento certo, ter um pensamento crítico acerca dos fatos, calcular (habilidade importante para o ensino da matemática). Também vai permitir que a criança visualize, modifique e reafirme  o pensamento, ou seja, facilita a relação do enxadrista com o mundo abstrato.
Importante também considerarmos que no jogo aprende-se a partir dos erros. Isso permite que a criança tenha um pensamento hipotético, ou seja, ela vai analisar o fato partindo de suposições e criando hipótese. A capacidade de memorização não foi esquecida por ela, bem como a de codificar e decodificar e o pensamento criativo.
Quando aos valores que este jogo estimula, destaquemos: respeito, responsabilidade, acatar normas, cortesia, aprender a ganhar   perder, humildade, perseverança, disciplina, tenacidade, auto-estima, paciência, autocontrole, tolerância, amistosidade, sociabilidade (além de servir para aproximar pais e filhos!).
O jogo de xadrez, assim, pode trabalhar as seguintes áreas: recreativa (é um jogo, é lúdico, divertido e mágico!), desportiva (lida com respeito ao adversário, pontualidade, auto-estima), intelectual (trabalha a memória, a atenção, a concentração, o calculo, a síntese), cultural e ética (favorece o desenvolvimento da pessoa como cidadã e ser humano) e emocional (descarrega tensões, propicia autonomia, autodisciplina, autocontrole, tenacidade).
INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
FEXERJ – Federação de Xadrez do Estado do Rio de Janeiro
Rua México, 148/sl 206 – Centro – Rio de Janeiro Tel: 2532-1806 (10 às 18:00 h)
LIVRO INDICADOS
  • Xadrez para Principiantes – J. Doubek (Ediouro)
  • Xadrez para Crianças – Girona e outros (Artmed)
  • Xadrez na Escola – Uma Abordagem Didática para Principiantes – S. Rezende (Ciência Moderna)

5 comentários:

  1. O xadrez além de ser lúdico e divertido é um instrumento educativo, pois possibilita ao aluno o raciocinio lógico. Assim, o aluno pode estimular a capacidade de memória, concentração, cálculo etc. Contudo, o xadrez estabelece disciplina, regras, autocontrole... enfim, tornando possível ao aluno um melhor desenvolvimento cognitivo.

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  2. Boa tarde. queria saber de quem é esse ultimo texto. O jogo de xadrez, assim, pode trabalhar as seguintes áreas: recreativa, etc
    Preciso da referencia dele

    rabelo@fasb.edu.br

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  3. agradecido Luciano. obg

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    1. na realidade o texto foi copiado da pagina FEXERJ – Federação de Xadrez do Estado do Rio de Janeiro. Quando citei José Lima Dias Júnior, professor de Historia da escola, foi pelo comentário dele.

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